sábado, 28 de abril de 2018

O útil, o belo, o inútil e o improdutivo.

#papoNerd #velhoRabugento

Computadores, eletromecânicos e eletrônicos, são ferramentas úteis para cálculos massivos e processamento repetitivo de dados desde sua criação no início da década de 1940, mas essa utilidade sempre esbarrou na complexidade de seu uso e ai entram em cena as GUIs (Graphical User Interfaces - interfaces gráficas com o usuário).

As GUIs foram inicialmente pesquisadas por Douglas Engelbart a partir de 1959, dando origem ao projeto NLS, no SRI-ARC, culminando com a apresentação de dezembro de 1968 que atualmente é conhecida como "The Mother of all Demos", usando mouse, ponteiro, cursor, edição de texto em ambiente gráfico e "livechat" sobreposto.

 
Douglas Engelbart na "The Mother of All Demos", de 1968 .

O mais conhecido spin-off do NLS são as pesquisas do Xerox-PARC, que espalharam os conceitos de GUI junto com os computadores Alto ao longo da década de 1970.

Computador Xerox Alto, de 1973.

Posteriormente a Apple se destacou com o primeiro microcomputador comercial de uso pessoal com GUI, o Lisa, de 1983, que foi criado baseando suas ideias nos desenvolvimentos feitos pela Xerox, que cedeu seu know-how para a Apple.

Computador Apple Lisa, de 1983.

O útil

SRI-ARC, Xerox-PARC, Apple e tantas outras empresas e empreitadas que surgiram a partir do início da década de 1980, buscavam sempre uma coisa: A forma mais produtiva com que o usuário pudesse interagir com o computador, de preferência, com a mais curta curva de aprendizado possível, a mais intuitiva. Revistas especializadas chegavam ao cúmulo de contar quantos cliques eram necessários para realizar operações mais típicas, no objetivo de analisar o quanto uma GUI ou seus aplicativos eram mais produtivos e úteis nas atividades cotidianas de trabalho.

Surgem então os manuais HIG (Human Interface Guidelines - diretrizes para interação humana), que são manuais de como os programas devem se apresentar e interagir com o usuário dentro de determinada GUI, para que sejam, dentro do possível, os mais homogêneos entre si, facilitando o entendimento do usuário que, uma vez que tenha aprendido a usar um aplicativo, sinta-se confortável no uso dos demais e tenha a curva de aprendizado ainda mais reduzida.

Capa do HIG para o sistema operacional dos computadores Apple Macintosh.

Praticamente todas as GUIs tinham o HIG entre seus manuais de desenvolvimento, com destaque especial para o sistema operacional dos computadores Macintosh.

Computador Apple Macintosh, de 1984.

O belo

Desde suas primeiras versões, o "System" dos computadores Macintosh da Apple apresentavam grande preocupação com a beleza e detalhamento das imagens que compunham sua GUI, mesmo no extremamente restrito monitor dos primeiros modelos (totalmente monocromático - P&B, sem tons de cinza -, com apenas 348 linhas de 512 pontos - isso mesmo, resolução de apenas 512x348).

Captura de tela do sistema operacional do Apple Macintosh, de 1985.

Mas é a partir do início da década de 1990 que, com o aumento do poder de processamento dos microcomputadores pessoais, surgem GUIs com elementos mais coloridos, com detalhamento cada vez maiores: O MS-Windows 3, o Apple System 7, o IBM Workplace Shell (GUI do IBM OS/2), o Unix CDE, o BeOS etc.

Captura de tela do sistema operacional BeOS, de 2000.

A beleza e as funcionalidades buscam inerentemente a produtividade e o conforto, mas também a satisfação visual do usuário. É interessante observar que, nessa época (meados da década de 1990 a início dos anos 2000), era comum que alguns usuários "desligassem" certos efeitos visuais das GUIs que utilizavam, visando liberar mais poder de processamento para o trabalho a ser efetivamente realizado com o computador, demonstrando que a usabilidade e a produtividade já haviam sido atingidas e que algumas características das GUIs de então já eram supérfluas para o trabalho cotidiano.

O inútil

A partir dos primeiros anos do séc. XXI surgem as GUIs com efeitos complexos, inclusive usando o poder oferecido pelas GPUs, processadores das placas de vídeo que oferecem aceleração para renderização de imagens em 3D (que, para funcionar, requerem ainda mais processamento da CPU do computador). O Mac OS X da Apple é o pioneiro, seguido pela Microsoft com as versões Xp e Vista do Windows e a criação do projeto open source Compiz para Linux.

Captura de tela do compositor de tela Compiz para Linux, de 2007.

Apesar de, nos primeiros anos, esses efeitos consumirem mais poder de processamento do que os computadores "consumer" pudessem oferecer (levando muitos usuários profissionais a continuar "desligando" efeitos), isso logo foi suplantado pelo poder crescente dos microprocessadores e das GPUs.

O problema é que toda a vasta beleza dos efeitos 3D em altíssima resolução, renderizadas em tempo real por GPUs, pouco ou nada contribuíram para a produtividade. Bem pelo contrário, na maioria dos casos, distrai e atrapalha a execução do trabalho objetivado, reduzindo a produtividade do usuário. Ainda pior, algumas características dos elementos que compõem a imagem da GUI vão na contra mão de mais de 3 décadas de estudo do assunto e que já eram muito bem embasados em sua conceituação e definição.

Isso tudo ocorreu em paralelo a outra novidade de então, a web, que se firma a partir do final da década de 1990, e começa a ditar a tendência de como as GUIs (não) devem ser.

O improdutivo

A web comercial, disponível para usuários pessoais, e os microcomputadores pessoais sendo vendidos como eletrodomésticos, geraram uma massa de consumidores que estão mais acostumados com o apelo publicitário do que efetivamente com vantagem prática ou produtiva do equipamento. Assim surgiu a busca do novo, do diferente, em detrimento do prático e do produtivo.

Cada novo software, tecnologia web ou moda de design denota uma nova tendência nas GUIs, que tem pouco ou nenhum compromisso com o produtivo, com compromisso apenas com o comercial, ligado diretamente ao marketing.

Essa tendência da GUI da web acaba por afetar as GUIs dos sistemas operacionais e seus aplicativos, que oferecem novidades gráficas a cada versão lançada (que despreza a produtividade), uma vez que, a cada nova versão, exige toda uma nova curva de aprendizado do usuário apenas para continuar executando as mesmas tarefas. Essa tendência se justifica no fato de que, no séc. XXI, o computador perdeu o foco em ser uma ferramenta de produção de conteúdo e passou a ser um canal de comercialização de produtos, sendo obrigado a se apresentar como algo sedutor para um público que não o necessita como ferramenta de trabalho efetivamente.

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